domingo, 22 de outubro de 2017

FABULAS DE FEDRO

O PARDAL E A LEBRE
O não saber guardar-se dos conselhos
Aos outros, é loucura conhecida, 
Que nestes poucos versos mostraremos. 
A uma pobre lebre, que apertava
Nos curvos esporões a águia invicta, 
Insulta sem cautela o vil pardal; 
"Porque suspiras, dás tristes gemidos?
Que é feito dessa tua ligeireza, 
Teus alígeros pés aonde estão?"
Inda falando, chega um fero açor, 
E nas torcidas garras o arrebata. 
O pardal, que chilreava tão ufano, 
Clamando em vão aos ares tenebrosos, 
Vítima veio a ser das fatais unhas. 
A lebre meia morta teve ainda, 
Primeiro que espirasse, o triste gosto, 
De lhe poder dizer estas palavras: 
"Tu, não há um momento que zombavas
Da minha desventura, e que entendias
Estar muito seguro nesta cena, 
Já te vês reduzido à mesma sorte; 
A queixar-te, e chorar o teu destino."

       *        *        * 

O SAPATEIRO MÉDICO
Um sapateiro mau já consumido
Da importuna pobreza, vai a ser 
Médico num lugar desconhecido.
Um antídoto falso à gente inculta,
Que juntando os seus gárrulos enganos,
Muito em breve o apregoa a incerta fama. 
Sucede pois cair em grava queixa
Desta mesma cidade o destro rei; 
Faz chamar este sórdido homicida, 
E por firmar melhor o seu conceito, 
Pede aos servos um copo cheio de água
Fingindo que mistura um tal veneno
C'o antídoto falaz do charlatão: 
- "Bebe, lhe diz o rei; pois se a mistura 
Te não ocasionar o menos dano,
Além de engrandecer o teu remédio, 
Liberal te darei um grande prêmio."
 O espúrio professor então temendo, 
O suposto perigo de morrer, 
Precisando se vê a confessar
Que a loucura do vulgo, e não a arte
Erradamente o fez filho de Apolo. 
O rei então juntando os moradores, 
Com justíssimo enfado acrescentou: 
-"Quanta julgais será vossa demência, 
Quando entregar quereis vossas cabeças
A um homem fatal, a quem os outros
Não confiarão seus pés para os calçar?"
Isto lhe diz alguns, que são tão loucos, 
Que dão o lucro vil aos curandeiros. 

*        *         *

O CARECA E A MOSCA 

Na cabeça descoberta de um careca,
Mordicou uma mosca mui prolixa;
Este logo, com intento de esmagá-la
Dá em si próprio om grande bofetão.
A mosca diz então por zombaria: 
- "Se tu te vingares da picada
De um inseto volante tão pequeno, 
Intentaste matar-me cruelmente; 
Como a ti mesmo deves castigar, 
Acrescentando ao mal que a ti fizeste, 
E vil injúria de uma bofetada?"
- Quanto a mim, respondeu p homem calvo, 
Posso reconciliar-me facilmente;
Sei que não tinha desígnio de ferir-me;
Mas és tu um vil animal importuno, 
Que gostas de chupar o sangue humano, 
Quisera de picado dar-te a morte, 
Inda que a mim fizesse mal maior. 
Lição
Esta fábula ensina que se concede o perdão, com maior facilidade àquele que delinque sem pensar, do que àquele que peca de forma pensada pensada. 
É, pois, incontestável que este último mereça toda a sorte de castigo.

 *         *         *

O CAÇADOR E O CÃO

Um cão muito vigoroso em perseguir
Outros brutos mais leves na carreira, 
Tinha rendido sempre bons serviços
Ao seu senhor; enfim veio a fazer-se
Já debaixo do peso dos seus anos, 
Enfermo gravemente, e muito frouxo. 
Este com um javali lutando um dia
Com bravura o agarrou por uma orelha; 
Mas como já tinha dos dentes podres, 
Por já não poder mais, largou a preza. 
Irado o caçado o descompõe;
 O velho cão responde como pode: 
- "Se acaso mal te sirvo, certamente 
Não é porque me falte ainda o valor, 
As forças tão somente me deixaram. 
Tu louvas o que fui em outro tempo, 
O que não posso ser, é que condenas." 
 Lição
Esta fábula nos ensina que nós humanos só damos valor àqueles que de alguma forma ainda nos servem. 

*          *          * 

O LEÃO E O RATO 
Enquanto no bosque dormia o bravo leão,
Uns detestáveis ratos se divertiam; 
Acontece que um deles descuidou-se e pisou no seu corpo
O leão, despertado em sobressalto, 
Com muita presteza agarra o pequeno infeliz, 
Que o perdão logo lhe suplica; 
E à imprudência sua o crime imputa. 
O rei dos animais já persuadido 
que não é de sua honra a vil vingança.
Generoso perdoa, e o deixa ir. 
Poucos dias depois, a mesma fera
Em campanha caçando numa noite escura, 
Descuida e cai num grande fosso. 
E vendo-se ali preso na esparrela,
Entrou logo a rugir com grande força. 
A tão terrível voz o rato acode, 
E mui compadecido assim lhe diz: 
Não temas, ó leão, porque vos quero 
Um serviço fazer, que corresponda 
Ao grande benefício, que eu de vós 
Ha pouco recebi, que me não esqueço. 
No mesmo instante entrou a examinar 
O tecido do laço insidioso, 
E depois de ter dado várias voltas
Ao redor dos cordéis, que tinham nós, 
Principia a roê-los de tal sorte, 
Que em breve tempo fez muitas largas
As malhas engenhosas desta rede. 
Por este meio deu ao leão preso
Em pouco tempo o poder e a liberdade. 
.
Lição
Nunca podemos imaginar de onde virá a ajuda de que precisamos nas horas mais difíceis.

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